quarta-feira, 9 de março de 2011

Corredores

As malas já estavam no carro, todos já tinham certeza que era ali que ele ficaria e não disfarçaram a falta de confiança nas palavras dele. O pai o acompanhou até o quarto, repetindo clichês estimuladores, "tudo-vai-ficar-bem", "vai-ser-melhor-pra-você", "você-vai-sair-daqui-outra-pessoa". Miguel não ouvia, não pensava em nada. Era um túnel cuja a luz no fim vinha só para cegar. Um corredor digno do filme de Kubrick, talvez até tenha visto as duas gêmeas de relance, o som do velotrol, o mar de sangue arrastando os móveis. Essa última imagem roubou todo o espaço de sua mente. A água vermelha lavava aquele lugar frio, tingia tudo. Ele não era louco, gritou de repente por dentro. Não era. Só tinha que parar de pensar nessas coisa. "Vamos lá, você consegue", pensava ele. "Volte, volte pra cá. Não deixe se contaminar pelo ambiente. Mas não conseguia voltar, a correnteza já tomara conta dele. Em vez das poltronas, levou embora toda e qualquer sanidade que podia existir ainda.