quarta-feira, 9 de março de 2011

Corredores

As malas já estavam no carro, todos já tinham certeza que era ali que ele ficaria e não disfarçaram a falta de confiança nas palavras dele. O pai o acompanhou até o quarto, repetindo clichês estimuladores, "tudo-vai-ficar-bem", "vai-ser-melhor-pra-você", "você-vai-sair-daqui-outra-pessoa". Miguel não ouvia, não pensava em nada. Era um túnel cuja a luz no fim vinha só para cegar. Um corredor digno do filme de Kubrick, talvez até tenha visto as duas gêmeas de relance, o som do velotrol, o mar de sangue arrastando os móveis. Essa última imagem roubou todo o espaço de sua mente. A água vermelha lavava aquele lugar frio, tingia tudo. Ele não era louco, gritou de repente por dentro. Não era. Só tinha que parar de pensar nessas coisa. "Vamos lá, você consegue", pensava ele. "Volte, volte pra cá. Não deixe se contaminar pelo ambiente. Mas não conseguia voltar, a correnteza já tomara conta dele. Em vez das poltronas, levou embora toda e qualquer sanidade que podia existir ainda.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Mundança

Casa de recuperação, sanatório. Na verdade, a palavra mais adequada era hospício, mas soava tão áspera que preferiram não usá-la. Ele ia, silencioso e sedado, como se tivesse aceitado que o destino era esse e nada ele poderia fazer.
A clínica era bem decorada, um jardim extenso, médicos simpáticos, um cheiro doce no ar. Quando será que custaria essa paz?
As paredes eram angustiosamente brancas.
Brancas, tão brancas, capazes de cegar.
Tão brancas e ainda somadas a luz fria e o ar pesado de um lugar cheio de máscaras.
- Não vou durar muito aqui...
Foi só um sussurro. O médico perguntou o que ele tinha dito e ele apenas respondeu um automático "deixa pra lá". O mundo havia jogado-lhe dentro de um poço branco, sem qualquer possibilidade de retorno.
Os internos já olhavam para ele de um jeito estranho, como se dissessem que sabiam o que ia acontecer. Talvez realmente soubessem, há quem diga que os loucos tem uma sensibilidade maior do que as pessoas "normais". Talvez eles soubessem.

Diagnóstico

- Acredite em mim, só dessa vez. Eu sei que já menti, sei que já enganei, mas agora é de verdade. Eu estou aqui, o senhor não vê?
Talvez Miguel estivesse certo, talvez tudo não passasse de um grande erro. Talvez alguém quisesse puni-lo. O médico estava mentindo, ele tinha certeza. Só precisava saber o motivo. O que podia ter feito de tão grave para receber um castigo assim. E quem aquele homem pensava que era? Deus em seu julgamento final?
O inferno e o céu.
Seu destino estava ali, naquela mesa. Eram exames e mais exames. Eram provas.
Ele fora reduzido a milhares de números, probabilidades, fora mapeado por completo e não era um tesouro o que o "X" marcava.
Quando todos dizem que há algo de errado com determinada pessoa, normalmente ela costuma acreditar. Mas Miguel tinha certeza de que todos estavam mentindo.